Como era da tradição, no final será servida uma Merenda de produtos tradicionais, com o generoso patrocínio do Comércio local de Torre de Moncorvo.
Apareça!
Entrada livre.
Capela de Santa Bárbara do Larinho (século XVIII)
Segundo as fontes cristãs, Santa Bárbara nasceu em Nicomédia (actualmente Ismite, na Turquia), nas imediações do mar da Mármara e não muito longe de Constantinopla, para onde as suas relíquias foram levadas, sendo mais tarde (no séc. X) levadas, na sua maior parte, para Veneza. Santa Bárbara começou por ser encerrada numa torre, mandada construir por seu pai, motivo porque é normalmente representada por este atributo, além da palma de mártir. Tendo-se convertido ao Cristianismo, foi alvo de vários suplícios, que culminaram na execução pelo próprio pai, o qual, como castigo, foi de imediato fulminado por um raio.Imagem de Santa Bárbara dos mineiros da Ferrominas, actualmente na igreja do Carvalhal
A relação com os mineiros baseia-se numa lenda medieval, segundo a qual a Santa teria sido escondida por mineiros no buraco de uma mina, algures na Grécia; outra hipótese, mais credível, é que Santa Bárbara, por ter sido executada sem os Sacramentos e tendo pedido a Deus que todos os que a ela recorressem, em situação de morte iminente, ficassem logo sacramentados, passou a ser a advogada de todos os que estivessem em situação de risco de morte repentina, como acontece com os mineiros.
Registo audiovisual de uma habitante de Açoreira, com reza a Santa Bárbara.
Em todo o caso, o culto de Santa Bárbara no concelho de Torre de Moncorvo, sobretudo a partir do séc. XVIII, tem mais a ver com o receio das trovoadas (e dos seus estragos na agricultura) do que com a actividade mineira, apesar de duas das capelas dedicadas à Santa, uma no Felgar e outra em Carviçais, se encontrarem sobre grandes montes de escórias de ferro (estes pontos poderiam atrair as faíscas, o que pode justificar essa localização). O único caso que tem a ver expressamente com a actividade mineira relaciona-se com a igreja nova do Carvalhal (dedicada a Santa Bárbara), pois esta povoação constituíu-se na expectativa do desenvolvimento das minas de Moncorvo, nos anos 80 do século XX. A imagem da patrona da igreja veio da antiga "capela" dos mineiros, improvisada numa das casas do bairro mineiro da Ferrominas, e terá sido adquirida nos anos 50 do século XX, para apoio espiritual aos mineiros. Aí chegou a celebrar missa o saudoso Padre Rebelo, apesar de os enterramentos se continuarem a fazer na sede da freguesia, que é o Felgar.
Texto, fotografia e vídeo: Nelson Campos /Museu do Ferro & da Região de Moncorvo
Apoio técnico: Patrícia Rainho (estagiária do Museu do Ferro & da Região de Moncorvo), Rui Leonardo, Fátima Dias e António Botelho.
Agradecimento: às zeladoras das capelas de Santa Bárbara (Senhoras Domitília, Luzia, Manuela, Conceição Regedor Marcos, Eduarda Gabriel) e às Srªs. Maria da Conceição Monge, Drª. Patrícia Aires, Angelina Lopes (Açoreira), pelas disponibilidade e informações prestadas sobre as capelas visitadas.
_____________
Para saber mais sobre Santa Bárbara, padroeira dos mineiros, ver: http://www.ordeng.webside.pt/Default.aspx?tabid=1761 - com alusão a uma palestra do Prof. Engº. Fernando Mello Mendes no I.S.T. de Lisboa. - Sobre o Engº. Mello Mendes, ver post de 13.08.2010, neste blogue.
Os "peregrinos" aproximando-se da estrada da Açoereira, ainda pelo caminho velho... (foto de Luís Lopes)
Aqui fica, portanto, o apelo aos nossos sócios para que participem também, como moncorvenses empenhados, neste convívio de profunda raiz popular.
Veja mais no blogue À Descoberta de Torre de Moncorvo: http://descobrirtorredemoncorvo.blogspot.com/2009/04/passeio-da-pascoela-para-desfazer-o.html
Aproveitamos também para recordar a realização do ano passado (2008):
http://parm-moncorvo.blogspot.com/2008/03/passeio-da-pascoela-dia-29-de-maro.html
http://parm-moncorvo.blogspot.com/2008/04/passeio-da-pascoela.html
Capela de N. Srª da Esperança (pertencente à Junta de Freguesia de Torre de Moncorvo)
Capela do extinto ermitério de N. Sª da Teixeira (freguesia de Açoreira)
Como vimos, pelo testemunho do Padre Rebelo, algumas pessoas de Torre de Moncorvo também iam desfazer os seus folares à capela de N. Srª da Teixeira (junto de Sequeiros), que era muito mais longe do que a Senhora da Esperança (e já noutra freguesia – Açoreira), embora se pudessem deslocar de de burro, ou de mula, ou a cavalo). A capela de Srª da Teixeira é conhecida pelos seus famosos frescos do século XVI, em mau estado de conservação, apesar dos nossos apelos junto dos serviços do património, tendo caído em saco roto um contacto que fizemos, em tempos, com o Instituto José de Figueiredo (depois Instituto de Conservação e Restauro, presentemente integrado no Instituto de Museus e Conservação), assim como junto da direcção do IPPAR, igualmente sem êxito. Sobre estas pinturas saiu publicado um livro de autoria do nosso consócio Eugénio Cavalheiro (Os frescos da Srª da Teixeira, editado por João Azevedo Editor, Mirandela, 2000). Para o caso que nos interessa, é de notar que a capela de Srª da Teixeira, que esteve associada a um antigo eremitério, era também conhecida por Senhora dos Prazeres (mais tarde ainda, por Santa Rita, por terem adquirido uma imagem desta Santa).
Fresco sob a abóbada do alpendre da capela de Srª da Teixeira (Almas do Paraíso)
Curiosamente, a Senhora dos Prazeres, culto que parece apelar aos sentidos, está igualmente presente na Senhora do Castelo de Urros e na capela de Santa Marinha de Felgueiras, onde se fazia (e faz) outra festa dos folares, na segunda-feira da Pascoela. Depois do tempo sombrio e abstinente da Quaresma, seguia-se o tempo da libertação, dos “bailes e descantes e alegria a jorros”, como escreveu o Pe. Rebelo.
Quanto à tradição de se comer o folar nos campos deve ser uma reminiscência de antigos cultos pagãos relacionados com a Natureza, que nesta época do ano renasce para um novo ciclo. É tempo de Primavera (embora, como diz o Povo, “Março marçagão, de manhã cara de riso, à tarde cara de cão”, ou, sendo Abril, "águas mil"), os campos tornam-se verdes, mosqueados de florinhas, num convite ao passeio, que em tempos remotos seria ritual, culminando num ágape propiciatório da abundância dos mantimentos essenciais à subsistência. E esses produtos estão bem sintetizados nesse manjar tipicamente trasmontano que é o folar: a farinha/cereais, os ovos, e a “chicha”, sobretudo a “chicha” de, com a sua licença, o “reco” (animal venerado pelos nossos avoengos proto-históricos, como o comprova o “berrão” que é emblema da nossa associação).
Vimos também que estas romagens de confraternização com os campos, a Terra, a Mãe-Natureza, nesta época do ano, não eram exclusivas de Torre de Moncorvo. Embora o Padre Rebelo não refira, também na freguesia de Açoreira se cumpria a tradição, não só na capela de Senhora da Teixeira (onde se reuniam também os de Sequeiros e até de Torre de Moncorvo), mas também na Santa Marinha, onde há poucos anos se retomou a tradição que esteve meio apagada. Aqui se junta sobretudo o povo da Açoreira, desfazendo os farnéis à sombra das oliveiras e amendoeiras e a festa prolonga-se pela tarde, com bailaricos e jogos populares.
Ainda no concelho de Torre de Moncorvo, também Urros, na segunda-feira da Pascoela, se realizava (e realiza ainda, segundo nos informou a nossa consócia Bina Martins) a romaria à capela de N. Srª do Castelo, onde se desfaziam os folares. Como dissemos, tal como na Srª da Teixeira, nesta capela também era venerada a Srª dos Prazeres, sendo de notar a persistência deste culto associado a lugares onde se comia o folar na Pascoela. Do mesmo modo, o culto de Santa Marinha, que, para além da Açoreira, tem em Felgueiras uma capela (onde nos parece que também se reverencia a Srª dos Prazeres), e onde igualmente se “desfaz o folar” na segunda-feira da Pascoela. No caso de Felgueiras, esta era a grande festa dos moleiros, cujos moinhos jazem em ruínas junto da ribeira que recebe o nome desta capela (ribª de Santa Marinha, afluente da ribª de Mós). Sem interrupções, a tradição continua a realizar-se em Felgueiras, embora agora se faça no Sábado que precede o Domingo da Pascoela (fim de semana a seguir à Páscoa), pelas mesmas razões que nós antecipámos dois dias relativamente ao dia de preceito, ou seja, por segunda-feira ser dia de trabalho.
Como vimos, só na nossa região, havia (e continuam a manter-se) vários casos da tradição de se “desfazer o folar” na 2ª feira da Pascoela, apesar de agora se recuar a sua realização por causa dos dias de trabalho ditados pelos calendários rígidos impostos por um Estado Central que não entra em conta com as tradições locais (de que, noutro plano, é “bom” exemplo a célebre ASAE). Por outro lado, somos um povo pouco dado à preservação de certas tradições, sobretudo nos centros urbanos e semi-urbanos. No caso de Torre de Moncorvo, a última vez de que nos recordamos de haver uma reunião alargada e organizada, para se “desfazer o folar” foi nos meados dos anos 80 do século XX, tendo ocorrido na Srª da Teixeira, com algum impulso do Pe. Rebelo, que por essa altura havia reeditado uma monografia sobre aquele ermitério, escrita pelo Padre José Augusto Tavares nos inícios do séc. XX.
Provando que esta tradição deveria estar amplamente generalizada, talvez por toda a Península Ibérica, nas regiões onde o Cristianismo assimilou e ajudou a “fixar” as tradições pagãs ancestrais, vemos que em Salamanca, a grande cidade universitária castelhana, também existe a tradição de se desfazer o folar, a que chamam “el hornazo” (de “horno” = forno), mantendo-o, ainda hoje e sempre, na mesma segunda-feira da Pascoela, a que chamam o dia de “Lunes de águas”, como desde há anos nos conta o nosso amigo salmantino Angel Garcia. Nesse dia, em Salamanca, é feriado na cidade, porque toda a gente vai desfazer os “hornazos” pelos campos… É a diferença que nos separa dos povos civilizados que, sendo grandes (e talvez por isso), colhem nas suas raízes a razão de ser da sua grandeza… Daí o nosso esforço na preservação da nossa essência, promovendo, ao mesmo tempo, o convívio, a solidariedade, o bem-estar inerente também à dimensão lúdica (e gastronómica), quiçá o tal “Prazer” que nos dava a Deusa, cristianizada em Senhora dos Prazeres, porque os Antigos sabiam que sem Felicidade e bem-estar não há povo que seja produtivo, nem economia que se salve, nem Homem que seja construtivo…
N.R.