segunda-feira, 28 de abril de 2008

Ronda pelo concelho - a antiga villa de Mós

Dando continuidade à ronda pelo concelho (iniciada em Felgueiras - ver "post" de 14.04.2008), calhou agora uma visita à antiga vila de Mós, realizada numa manhã domingueira, por dois associados do PARM, aproveitando o bom tempo para um registo fotográfico.

Vista geral do monte do Castelo, com a igreja do lado esquerdo (foto N.R.)


Mós, a antiga Mollas, é detentora de um dos forais mais antigos da região (pouco depois do de Freixo de Espada à Cinta), doado por D. Afonso Henriques em 1162. Aí existem ainda vestígios de uma cerca medieval (o Castelo), um pelourinho reconstituído há poucos anos, uma fonte de mergulho (talvez medieval), a antiga casa da Câmara e tribunal (actual Junta de Freguesia), a cadeia. A igreja, embora com fachada e sineira do século XVII, possui ainda uma estrutura próxima da arquitectura românica, com espessos contrafortes laterais. Na fachada principal, é de anotar um óculo gótico, ladeado e encimado por inscrições datáveis desta época (quiçá séc. XV).

Novo muro do adro, construído após o alargamento da rua, e depois de escavação arqueológica de sepulturas medievais (foto N.R.)

Foi pena que se tivesse destruído a Casa da Roda dos expostos (ocorrida talvez nos anos 80) e outros edifícios antigos, nomeadamente a antiga botica e uma casa com vestígios religiosos ao cima da rua dos Olminhos. Mais recentemente foram cortadas algumas sepulturas medievais escavadas no afloramento de xisto sob o adro da igreja, aquando do alargamento da rua de acesso à povoação, o que motivou escavações de emergência por parte de uma empresa de arqueologia de Viseu. Sabe-se que se encontraram ossadas e outros vestígios, aguardando publicação. É de salientar que o muro foi reconstruído utilizando o xisto da região.

Três símbolos do antigo município de Mós: Pelourinho (reconstituído); antigo Tribunal e casa da Câmara (actual sede da Junta); e a Cadeia. (fotos de N.R. e João Pinto V. Costa)


A velha fonte de mergulho da rua dos Olminhos (foto de João Pinto V. Costa)

Em dado momento, no século XV, tendo em vista o repovoamento de terras tão agrestes, foi aqui constituído um couto de homiziados (território onde se podiam albergar os foragidos à justiça do rei).
Que os costumes eram violentos sabemo-lo, não só pela existência da forca (atestada na toponímia) e do pelourinho, mas também pela existência de um freio de maldizentes, idêntico a outro guardado no Museu Abade de Baçal (Bragança), e que consistia numa peça em ferro que se aplicava na cabeça do(a) sentenciado(a), com uma lingueta que lhe travava a língua. O meirinho deveria depois encarregar-se de passear o réu (ou ré) pelas ruas, com uma arreata, expondo-o à execração pública.

Rua da Cadeia (à esquerda) e bairro do Castelo (ao fundo). Em 1º plano, destelhado, antigo lagar de vinho (foto de João Pinto V. Costa)

Pormenor do lagar anteriormente referido (foto de João Pinto V. Costa)

No Arquivo Histórico de Torre de Moncorvo existe um livro das contas da Câmara de Mós, datado do século XV, além de outros documentos. O concelho de Mós era composto pelo seu próprio termo e o de Carviçais e possuía, além das povoações principais, diversas quintas, tais como Centieeiras, Odreira, Martim Tirado e muitas outras hoje abandonadas. Felgar e Souto da Velha também pertenceram a Mós, mas só até ao final do séc. XIII.
Com a reforma administrativa de 1836, o concelho de Mós acabou integrado no de Torre de Moncorvo.

Casas tradicionais, na rua de Baixo (foto de João Pinto V. Costa)

No entanto, Mós conserva ainda o fácies de uma antiga vila medieva, com um belíssimo casario de xisto, combinando a pedra e a madeira, tal como há muitos séculos atrás. Além disso, tem o maior interesse a rede ou malha urbana, com a zona do castelo, a praça, as ruas principais com as suas vielas estreitas, tendo como pavimento a própria rocha (em alguns casos desaparecida sob os inefáveis "paralelos").

Casa tradicional em pedra e madeira com ripamento para suporte de tabique; à esqª., escaleiras escavadas na rocha (foto de João Pinto V. Costa)

Casas belíssimas, de pedra, da cor do tempo... (foto de João Pinto V. Costa)

Há intervenções recentes que, mesmo que não sejam muito conseguidas, se destacam já da demolição+reconstrução em tijolo ou blocos de cimento (as tais"maisons" dos anos 70-80), ou então do reboco de cimento sobre as paredes antigas. Verificámos com agrado dois telhados novos suportados em vigamento de madeira tratada, embora num dos casos talvez pudesse ser evitada a pequena laje de betão de uma varanda. Mas já é positivo que a fachada da casa se mantivesse em pedra e não houvesse outras alterações.

- Atenção: nos casos apontados, desconhecemos em absoluto quem são os proprietários em causa, pelo que as nossas apreciações são de mera crítica construtiva ou de estímulo para que se faça mais e melhor. O terem preservado estas casas evitando a sua ruína, já é para nós um motivo de satisfação, pelo que os felicitamos.

Nota positiva: telhado reconstruído recentemente, já que é sempre pelo telhado que a ruína começa (foto João Pinto V. Costa)

Como é lógico, não pretendemos que as pessoas vivam aqui como na Idade Média, mas que possam melhorar as suas condições de vida, melhorando sobretudo o interior das suas habitações, mas procurando manter o exterior, visto que se a povoação conseguir preservar ainda um bocadinho desta imagem, terá um trunfo para atrair visitantes, sobretudo tendo em conta o seu passado tão rico.

Nota positiva: reconstrução de telhado da casa + alpendre e que se tenha mantido o aspecto da casa, com a pedra à vista; benefício da dúvida: talvez ficasse melhor o gradeado em madeira, ou em ferragens verticais; nota negativa: laje de cimento (foto N.R.)


Apesar de tudo, Mós merece uma visita atenta em busca do seu património, lamentando que algumas construções tradicionais estejam a cair em ruína (sinal destes tempos de desertificação e abandono). Daí que nos atrevamos a propor, a quem de direito, um plano de reabilitação e salvaguarda (com enterramento dos cabos telefónicos e eléctricos do centro histórico), aproveitando esta última oportunidade do tão badalado QREN... Título para um projecto desta natureza, talvez: "Mós - villa medieval". - Esta designação poderia ainda fazer parte de um plano de marketing, a desenvolver posteriormente, para atrair visitantes e, sabe-se lá, residentes sazonais.

2 comentários:

Unknown disse...

Boa noite, pretendo apenas fazer constar que Martim Tirado conta ainda com uma população de cerca de 40 habitantes, não estando esta aldeia abandonada como se me deu a perceber pela leitura deste texto do blogue.

Com os melhores cumprimentos.

PARM disse...

Caro Mauro,
As nossas desculpas por só agora termos reparado no seu comentário, que ficou perdido na caixa de correio do blogue. Sobre o seu reparo, queremos salientar que o que se disse foi o seguinte:
que o antigo concelho de Mós "possuía, além das povoações principais, diversas quintas, tais como Centieeiras, Odreira, Martim Tirado e muitas outras hoje abandonadas."
Ora, se ler bem, o que dissemos foi que além das nomeadas (ainda povoadas, por isso se mencionaram), havia outras, que entretanto se despovoaram. Já agora podemos nomear, entre as desabitadas, a Quinta dos Bezerrins, Marra Carrasqueira e Eira das Vacas. Por vezes unidades habitacionais compostas por uma, duas ou três famílias, no tempo das campanhas dos cereais, mas que devido ao isolamento e baixo rendimento agrícola, acabaram por emigrar ou vir viver para as aldeias mais povoadas, para as vilas, ou mesmo cidades do litoral, nos anos 60 e 70 do séc. XX.
Continue a visitar o nosso blogue.
Cumprimentos,
PARM.