terça-feira, 8 de abril de 2008

A Conferência do Prof. Rentes de Carvalho no Auditório do Museu do Ferro

(copyright A.Basaloco)
O evento:

Conforme anunciámos, realizou-se no passado sábado, dia 5 de Abril, no auditório do Museu, perante numeroso público, a esperada conferência do Prof. Rentes de Carvalho sob o título: “Portugal-Holanda, dois mundos”.

(Abertura da sessão, pelo Presidente do Município de T. Moncorvo, Engº Aires Ferreira - foto de A.Basaloco)

Na tribuna, além do orador, do presidente da direcção do PARM e do presidente da Câmara, encontrava-se também a representante da embaixada da Holanda (Drª Anke Schaeffers) que veio expressamente para este encontro. Entre os presentes, estiveram vários amigos do Professor Rentes de Carvalho, de que destacamos o ilustre estevaleiro (de Estevais de Mogadouro), Dr. Armando Pimentel, e o escultor Manuel Barroco, originário das Quintas das Quebradas, onde possui uma unidade de turismo rural. De Mirandela veio uma senhora holandesa que trabalha no sector hoteleiro, Gudi Wendrich, acompanhada de seu filho luso-holandês, para conhecerem e ouvirem Rentes de Carvalho. E perdoem-nos os restantes, mas não podemos enumerar aqui toda a gente presente, que era muita.

(Intervenção da Drª Anke Schaeffers, representante da Embaixada da Holanda em Portugal - foto N.R.)

Para quem leu Com os Holandeses, o mítico livro que o tornou conhecido na Holanda (a 1ª. edição é de 1972 com 10 edições em holandês até 1996, além de uma em português, em 1993), muitas das opiniões expressas pelo autor não foram surpresa, embora agora se penitencie por muitos exageros então apontados. Sublinhou que a cultura holandesa se caracterizava por um grande respeito pela opinião dos outros, mas que actualmente há excessos de "politicamente correcto", que levam a que se tolerem certas coisas em nome do “multiculturalismo”, coisas essas que não são toleradas em relação a outras minorias. Enalteceu a organização, a cultura, o espírito de trabalho e de cumprimento das obrigações, fortemente contrastante com a cultura portuguesa, mais virada para a ostentação (o célebre “record” de densidade de “jeeps” por metro quadrado) e para o facilitismo. Assim se explica que um país sem grandes recursos naturais (onde se situa a ausência de recursos minerais), tenha conseguido, no séc. XVII, estabelecer um império colonial global, disputando a supremacia de portugueses e espanhóis. Já em período de debate final, foram tecidas considerações a este propósito, por vários dos presentes.

(Prof. Rentes de Carvalho, proferindo a sua conferência - foto de A.Basaloco)

No entanto, Rentes de Carvalho reafirmou as suas origens de não se consegue (e não quer) libertar. Confessou-se um homem dividido entre dois mundos: “eu sou dois – quando aqui chego, passo a ser outro; quando estou lá, sou holandês”. Poderemos acrescentar que este mimetismo seja a capacidade maior do português (e do trasmontano), em contraponto com aquela outra característica que nos faz estar sempre virados para esse ponto de partida, e que nos puxa, como um magneto, para as origens: a mítica “saudade”. Curiosamente esta palavra nunca foi pronunciada, nem, estranhamente, faz parte do seu vocabulário literário. Talvez porque considere demasiado brutal e cru esse ponto de partida (no tempo e no espaço), Rentes de Carvalho deplora-o e prefere, como sempre preferiu, seguir em frente. O apelo das raízes, no seu caso, terá mais a ver com questões identitárias, ou, como disse numa entrevista a Rui A. Araújo/Carlos Chaves: “é a aceitação de quem sou e do lugar donde venho, no sentido em que Senghor definiu o conceito de negritude” (in Eito Fora, nº. 19, Setº. 2001).

(o público escutando atentamente - foto A.Basaloco)

Paralelamente à conferência foi organizada uma vitrina com algumas obras do autor, em Português e Holandês, socorrendo-nos de livros emprestados pelo próprio autor e por sócios do PARM, sendo apenas a esgotadíssima Ernestina procedente da Biblioteca Municipal (onde, para além deste, só encontrámos outro livro de R.C.); alguns artigos do nosso amigo Gonçalves Guimarães no Primeiro de Janeiro e uma entrevista de Filipa Leal no boletim das Artes, das Letras. Uma mesa onde se podiam adquirir algumas obras do autor e outra com folhetos sobre a Holanda, a par de cartazes e de um filme em DVD sobre o país das tulipas, completaram o ramalhete.

(Expositor com algumas obras do conferencista - foto de A.Basaloco)


O porquê desta acção?

Como explicou o presidente da direcção do PARM, Afonso Calheiros, a ideia desta palestra vinha de trás, da anterior direcção, no seguimento do ciclo de palestras com que se assinalaram os 20 anos da associação. E, não querendo ficar apenas pelas “antiguidades” (arqueologia, etnografia, história e património), entendeu a direcção privilegiar um olhar mais actual sobre o mundo (cada vez mais global) que nos rodeia. Além disso, é nosso entendimento que o museu deve ter uma função e uma missão cívicas, não de apenas repositório de objectos “com Passado”, mas espaço de diálogo, de encontro, de discussão sobre assuntos do Presente e do Futuro, no sentido do tão propalado (pela Nova Museologia) “museu vivo”. Por isso, no projecto de 1996-98, se concebeu a construção do Auditório ao fundo dos jardins do museu.

Havia, por outro lado, uma dívida nossa para com o Prof. Rentes de Carvalho (que agora, em vez de ser saldada, ainda ficou maior!): é que os nossos contactos principiaram por volta de 2003, quando lhe pedimos o favor de nos fazer uma tradução de um folheto do Museu para Holandês, devido à constatação da passagem de turistas holandeses, certamente induzidos pelo célebre guia de Portugal para Amigos (amigos holandeses, diga-se, pois nunca foi editado em português). O Prof. Rentes fez-nos gratuitamente esse trabalho, como contributo seu para o nosso (de todos!) Museu, no que lhe ficámos imensamente gratos.

O contexto de oportunidade também não podia ser melhor, pois completam-se 40 anos sobre o início (oficial) da actividade literária de Rentes de Carvalho, com a publicação de Montedor (1968), pelo que este foi o nosso modesto contributo para a merecida homenagem que tal efeméride requer e que, julgamos saber, os serviços e agentes culturais de Vila Nova de Gaia, sua terra natal, estão a preparar.

Acrescente-se ainda o facto de parte da obra literária de Rentes de Carvalho se referir à nossa região (com numerosas referências à vila de Torre de Moncorvo e seu concelho). Aí se dá voz a um mundo já perdido ou em extinção (como as quintas do Cabeço, Estevais, a linha do Sabor) ou em paulatina transformação, de que tem sabido ser um cronista atento, apesar da distância e dos longos lapsos de tempo de ausência.

E por último, esta foi também uma tentativa de aumentar mais um bocadinho o “círculo de culto” de Rentes de Carvalho. Já que, por cá, só a “’literatura’ light” é vendável, os autores de maior talento e com mais profundidade têm que “passar” em círculos quase herméticos. Assim aconteceu, durante muito tempo, com um outro grande escritor (ainda por cima também daqui originário, como se reivindicou), que foi Jorge Luís Borges, conhecido como “o homem que falhou o Nobel”. Bem, e o que dizer de F. Pessoa? Quem o conhecia em 1935, quando morreu? (apenas alguns, entre os quais um jovem poeta trasmontano que no momento escreveu: “Fui chorar com os pinheiros e com as fragas a morte do nosso maior poeta de hoje, que Portugal viu passar num caixão para a eternidade, sem ao menos perguntar quem era” – M. Torga, Diário I, 3.12.1935).

Atentos os casos citados, não se lamente o Professor Rentes de Carvalho, quando escreve:
“Vendas em Portugal de livros meus? Cinco aqui, dez além. Duzentos exemplares (…) comprados pela Câmara de Vila Nova de Gaia a festejar a Medalha de Mérito que lá me deram. // Creio que o mesmo fizeram as câmaras de Mogadouro e de Moncorvo, porque pertenço a ambas e os seus funcionários sabem que existo. No mais... um grande vazio. Mas já me alegro de ao menos ver os meus livros impressos na nossa língua, o que durante décadas não aconteceu e profundamente me magoou” (entrevista a Rui Ângelo Araújo e Carlos Chaves, in Eito Fora, nº. 19, Setº. 2001*) – Pois pode ter a certeza que, mesmo neste país, caro Professor Rentes, para além dos funcionários das Câmaras de Vila Nova de Gaia, de Mogadouro ou de Torre de Moncorvo, alguém mais sabe que existe. E temos a certeza de que, pouco a pouco, um maior número reconhecerá a Qualidade onde ela existe.

N.Campos (sócio do PARM)

*Ver: http://www.trasosmontes.com/eitofora/numero19/questionario.html )

4 comentários:

Anónimo disse...

Foi de facto muito interessante e participada, o que muito me agradou e ao mesmo tempo surpreendeu tão impensável audiência, é reconfortante e gratificante quando assim é quer para quem promove quer para o palestrante.
Deste realço, para além de conher alguma(pouca) da sua excelente obra literária não lhe conhecia a sua faceta de ironia fina e tão perspicaz...

Muitos parabéns Professor Rentes de Carvalho pela visão muito real (conheço pouco a Holanda)que deu do país que o "adoptou" proporcionando uma temática comparativa com o que por aqui devíamos fazer(ser) e não fazemos (somos).
Volte sempre porque será ouvido e bem vindo. Parabéns ao PARM

Anónimo disse...

Da parte do PARM muito agradecemos o comentário do(a)nosso(a)amigo(a) anónimo(a), pois é sempre reconfortante sabermos que não andamos a organizar coisas "para o boneco", como soe dizer-se. De facto, juntar cerca de 60 pessoas numa tarde soalheira de Abril, em que o pessoal poderia ter ido passear para outros lados, para ouvirem falar o Professor Rentes de Carvalho, num meio pequeno como o nosso, deixa-nos muito satisfeitos. - Afinal eram infundados alguns comentários deixados no post anterior, sobre o desinteresse da intelectualidade moncorvense. Ainda bem.
Quanto à ironia do prof. Rentes, é, de facto, de não conhecer bem a sua obra, pois, volta e meia, no meio da sua prosa, à parte a ironia até se encontram notas de humor fino, frequentemente decorrentes da sua perspicácia.
Quanto ao tema, que foi opção do autor, foi um pretexto para sabermos um pouco mais de si e da sua obra - que se confunde com a sua "experiência Holandesa" - mas também para termos um olhar comparado, em jeito de autocrítica, com o Outro "civilizado", o Outro "mais desenvolvido", o Outro "diferente". Como é que um país que é uma colagem de países (=Países baixos), de menor dimensão territorial que Portugal, com vários dialectos, pantanoso, com grande parte de terrenos conquistados ao mar, sem recursos naturais (ausência de minas), nos arrebatou grande parte do império no passado, e hoje está no ranking dos mais desenvolvidos da Europa, enquanto Portugal marca passo, a braços com crises e mais crises? - Podem-se aduzir múltiplos factores, a começar pela localização geográfica, no vizinhança de potências como a Alemanha, França, Inglaterra; o facto de já no final da Idade Média haver por aí (Flandres), um foco de grande dinamismo económico; o papel da religião protestante (calvinismo); o contributo judaico, que daqui debandou (ou foi feito debandar) no séc. XVI-XVII; etc., etc... Talvez as condicionantes geográficas (Portugal é uma periferia de uma periferia) e históricas associadas a mentalidades, expliquem o sucesso desse país europeu, comparativamente ao caso português. Mas se há coisas que não podemos alterar (geografia, história), há outras que o poderiam ser, no sentido mais positivo e construtivo, a começar no campo cultural e das mentalidades (a atitude). Penso que foi isso que o Prof. Rentes nos tentou dizer. Mas, infelizmente, parece que há atavismos que não se resolvem... Como sabemos, onde tudo começa é na Família e na Escola: e basta observar como estas duas instituições estão em crise, na nossa sociedade... Sem querer ser pessimista, sempre direi que assim não vamos lá! O que não impede de se tentar e, mais do que "choques tecnológicos", tentar dar "choques nas consciências", não para 60 pessoas, mas, pelo menos, em 6 + 4milhões...
N.Campos (sócio do PARM)

pandacruel disse...

Na verdade «aos nossos pés correm rios de oiro (aqui não convém o ouro, não soa tão bem) e nós não os vemos».
Aprender a respirar não é fácil, mas é urgente - aconteceu, por jeitos, sábado à tarde, no sopé, ou talvez num socalco da Torre - foi no dia CINCO DE ABRIL DE DOIS MIL E OITO, QUARENTA ANOS DEPOIS, POR ASSIM DIZER.

pandacruel disse...

Na verdade «aos nossos pés correm rios de oiro (aqui não convém o ouro, não soa tão bem) e nós não os vemos».
Aprender a respirar não é fácil, mas é urgente - aconteceu, por jeitos, sábado à tarde, no sopé, ou talvez num socalco da Torre - foi no dia CINCO DE ABRIL DE DOIS MIL E OITO, QUARENTA ANOS DEPOIS, POR ASSIM DIZER.