Homenagem Prof. Adriano Vasco Rodrigues, Sócio Honorário do P.A.R.M e amigo do Museu do Ferro e de Torre de Moncorvo
Os nossos contactos remontam a 1983, aquando da inauguração do Museu do Ferro da Ferrominas (no bairro mineiro) e posteriormente em 1986, nos primórdios do PARM, quando organizámos a primeira grande exposição de Arqueologia & História, patente numa área do Mercado Municipal (antes da existência do actual Museu). Salientamos os trabalhos pioneiros do Prof. Adriano e de sua esposa, Drª. Maria da Assunção Carqueja, natural do Felgar, autora de uma monografia de Moncorvo em que estudou boa parte dos pergaminhos do arquivo desta vila, sua tese de licenciatura na Universidade de Coimbra.
E foi pela via deste matrimónio que o Prof. Adriano, beirão de Longroiva (concelho da Meda), passou a frequentar terras de Moncorvo, com epicentro na aldeia do Felgar, de onde era natural sua esposa. Ainda no dealbar dos anos 1960, com D. Domingos de Pinho Brandão, bispo auxiliar do Porto, arqueólogo e epigrafista, empreenderam uma missão de estudo arqueológico do vale da Vilariça, cujos resultados publicaram na revista Lucerna, órgão do Centro de Estudos Humanísticos, sedeado no Porto. Este grémio de estudiosos vai estar na génese da restauração da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, que o Professor Adriano só não integrou certamente por ter sido destacado para Angola com o cargo de inspector geral do Ensino. Em Angola, prosseguiu os seus trabalhos de investigação históricos e arqueológicos, como nos conta no seu belo livro "De Cabinda ao Namibe", de onde salientamos a saga da descoberta dos destroços de um veleiro holandês no deserto do Namibe, algo afastado da costa.
De resto, da sua vasta bibliografia constam obras de carácter pedagógico, como os manuais do ensino liceal (antes de 1974) "História Geral da Civilização", obras muito cuidadas, até ao nível do grafismo, testemunhando a sua faceta de pedagogo. Neste campo, destaque-se o exercício do cargo de reitor do Liceu D. Manuel II, no Porto, estabelecimento de ensino de referência à época. Nunca deixando de ser um Professor, viria mais tarde a leccionar na Universidade Portucalense e, a nível internacional, dirigiu uma Escola Superior em Möl, na Bélgica.
Devido à exigência desses cargos, infelizmente a sua dedicação à actividade arqueológica, mais prolífera no dealbar dos anos 1960, quando descobriu a famosa estela decorada da Idade do Bronze de Longroiva, e depois de um estágio realizado na Alemanha Federal, onde se inteirou de procedimentos técnicos mais rigorosos ao nível do registo arqueológico, acabaria por ser cada vez mais esporádico. Remonta a essa época (1961) o manual "Arqueologia da Península Hispânica - Do Paleolítico à Romanização", compilando o conhecimento até então produzido em ambos os países ibéricos. Mesmo assim, são inúmeros os artigos que produziu na área da arqueologia, a par das temáticas de História e Etnografia e a ele se deve uma experiência pioneira em Portugal, no campo da chamada Arqueologia Experimental, a qual foi a construção de um forno de fundição de tipologia arcaica (proto-histórica ou romana), igualmente inspirado na tecnologia dos ferreiros africanos, com o qual conseguiu fundir uma pequena porção de ferro, num terreno de seu sogro, Sr. Gualdino Carqueja, na zona mineira do Carvalhal, Torre de Moncorvo.
Em criança teve o privilégio de conhecer o maior vulto da arqueologia portuguesa, José Leite de Vasconcelos, que foi hóspede da casa paterna em Longroiva (seus pais eram professores primários). Achou-o sisudo e pouco afectuoso, talvez por não dar importância a uma criança de tenra idade. Mas, descontando esse contacto tangencial, conheceu e tratou com os maiores da arqueologia portuguesa da sua geração e mesmo dos mais novos. Não por acaso fez parte do Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto (CEAUP), acompanhando com interesse os trabalhos de jovens investigadores realizando trabalhos no sul de Angola.
É de referir ainda, no campo dos seus múltiplos interesses, o estudo do judaísmo e história dos Cristãos Novos da Beira e de Trás-os-Montes, tendo colaborado na criação do Museu Judaico de Belmonte.
Em Torre de Moncorvo, além dos estudos publicados, nomeadamente uma monografia do Felgar, participou em algumas actividades do Parm Moncorvo , marcando presença em exposições realizadas no nosso Museu do Ferro & da Região de Moncorvo . Por isso, e pelo seu exemplo e incentivo, foi considerado nosso Sócio Honorário e Amigo do Museu em 2009. Chegámos a sugerir ao município de Torre de Moncorvo, por essa ocasião, a organização de uma homenagem pública à sua pessoa e sua esposa, nossa conterrânea, Drª. Maria da Assunção Carqueja Rodrigues. Apesar de termos sido afastados desse processo (sem que saibamos porquê, mas é algo a que também já estamos habituados), essa homenagem acabou por se realizar na Biblioteca Municipal no dia 15.10.2011.
Partiu um dos últimos sábios do nosso panorama cultural, não no sentido de alguém detentor de um mero saber livresco, mas ao nível de um percurso de vida e de uma experiência pessoal riquíssima. De uma aldeia beirã de origens castrejas (Langobritas) nos limites da civitas Medobrigenses, que viria a ser terra acastelada de Templários, este ser de excepção acabaria por se afirmar bem longe, não só nos areópagos culturais da urbe, como no que era então um Portugal maior, com as suas andanças por África. Fechado o "ciclo do império", não se ficou pela pequena casa lusitana, tendo dado cartas na mítica Europa do norte, essa Flandres tão frequentada pelos lusos desde o "quatrocento" e onde tantos cristãos-novos (quiçá seus ancestrais) se acolheram depois do édito da expulsão manuelino. E nem aí se ficou pelo múnus burocrático e pedagógico: visitando museus e catedrais, deu conta das semelhanças entre certas obras de arte aí existentes e o famoso tríptico flamengo que reside na igreja matriz de Torre de Moncorvo, tendo publicado um valioso estudo sobre o mesmo, assinalando-lhe a origem em Antuérpia e datando-o de cerca de 1500.
Foi para nós, PARM, uma subida Honra termos o Professor Adriano como Sócio Honorário e por nos ter distinguido com a sua estima e amizade. Perdemos o último dos sócios honorários, mas ganhámos muito em o termos como um dos nossos.
Paz à sua alma e sentidas condolências à família enlutada.
A Direcção do PARM.
Prof. Adriano Vasco Rodrigues durante a sessão de homenagem que compatilhou com sua esposa, Doutora Assunção Carqueja, em 2011. -
( Foto N.Campos)
Prof. Adriano Vasco Rodrigues, durante uma conferência no auditório do Museu do Ferro & da Região de Moncorvo, em 20.10.2007 . -
( Foto N.Campos /arquivo MF&RM)
(Fotografia de Luís Lopes /arquivo MF&RM)
Doutora Assunção Carqueja Rodrigues, Prof. Adriano Vasco Rodrigues e Eng. Aires Ferreira, durante a sessão de homenagem realizada na Biblioteca Municipal de Torre de Moncorvo em 15.10.2011. -
(Fotografia N.Campos)
Prof. Adriano V. Rodrigues, nos anos 1960, observando o forno de fundição de ferro construído a título experimental num terreno de seu sogro, no Carvalhal, freg. de Felgar, concelho de Torre de Moncorvo.
(Fotografia que nos foi gentilmente cedida pelo autor nos anos 1990)
Capa da separata do artigo sobre as "Ferrarias de Moncorvo" in "Boletim dos Amigos de Bragança", números 14-16. Bragança, 1965.
Capa da separata do artigo "Subsídios para o estudo das ferrarias do Roboredo, Moncorvo", Porto 1962, de autoria de Maria da Assunção Carqueja Rodrigues e Adriano Vasco Rodrigues.